06 Texto bastidores

Feb 24, 2024 · 5m 28s
06 Texto bastidores
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Estas imagens revelam um pouco dos bastidores das viagens de Hiromi Nagakura pela Amazônia com Ailton Krenak, acompanhados da produtora e intérprete Eliza Otsuka. Os trechos a seguir são observações...

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Estas imagens revelam um pouco dos bastidores das viagens de Hiromi Nagakura pela Amazônia com Ailton Krenak, acompanhados da produtora e intérprete Eliza Otsuka. Os trechos a seguir são observações de Nagakura-san sobre a trajetória percorrida e seus aprendizados.
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Meu nome, Hiromi [grande + mar], foi dado por meu avô, que dizia: “assim como o grande mar, quero que você se comunique com o mundo, para muito além do Japão”. Meu pai, vendo que eu não parava de viajar pelo mundo, resmungava: “Mas que nome terrível!”.
A primeira vez que fui para a Amazônia, carreguei tanto equipamento e bagagem que me dava desânimo. A noção que tinha era de uma floresta cheia de perigos. Mas a bagagem foi ficando cada vez mais leve, pois passei a confiar na sabedoria dos indígenas e dos povos locais.
Minha visão sobre os indígenas estava ainda repleta de ideais. Os índios viveriam nas profundas florestas, com enormes rios, em harmonia com os ancestrais. Entretanto, a realidade não era tão simples.
As primeiras aldeias que visitei foram do povo Krikati e Gavião, em regiões áridas e devastadas da Amazônia, entre torres de energia e o lago formado pela hidrelétrica de Tucuruí que afetaram drasticamente esses povos.
A frustração diante do que encontrei desapareceu quando à noite os Krikati cantaram com seu maracá no centro da aldeia. Me senti totalmente acolhido, comovido com a beleza das pessoas alegres e sorridentes, agarrando com força a tradição para que não se perdesse.
Subindo o rio Juruá para visitar o povo Ashaninka, o barco encalhava toda hora. Descíamos e ajudávamos a empurrar. Quando um enorme tronco impedia a passagem, Davi, o jovem piloto Ashaninka, entrou na mata e trouxe um punhado de entrecasca de árvore com seiva escorregadia. Estendeu entre o casco do barco e o tronco, e nos mandou empurrar. O barco subiu escorregando e passou facilmente para o outro lado.
Caminhamos do rio para a floresta, da floresta ao rio. A fadiga foi se acumulando. Machuquei o pé; pisei num formigueiro, espetei a mão no espinho de uma árvore, temia cobras. Ailton, ao contrário, cantava, assoviava e se mostrava muito mais feliz do que na cidade.
Encontramos no caminho moradias de ribeirinhos. Todas as casas eram receptivas. Traziam melancia, mamão, bananas, caldo de cana, caldo de tamanduá, carne-seca de veado. Apesar de uma vida aparentemente pobre, eram afáveis e carinhosos. Essas pessoas não valorizavam as mercadorias, mas sim as pessoas.
Na aldeia Ashaninka se pode observar tudo porque as casas não têm paredes. Deitados na rede, observávamos os movimentos das casas, mas me sentia acanhado em estar sendo observado também. Com o tempo fui me acostumando. A vida integrada com o ritmo da natureza é muito prazerosa.
Quando chegamos à Aldeia Nova Esperança, do povo Yawanawá, encontramos tudo florido de urucum com suas lindas pétalas brancas. Era uma cena maravilhosa a aldeia cercada de flores.
Ali participamos da festa do Mariri. Senti vergonha no começo, mas tirei a camisa e dançamos e cantamos juntos. Sentia o calor e a pulsação deles pela palma das mãos. Me diverti como criança. Tive que fugir com a câmera na mão para não levar um banho de caiçuma.
Levei um susto enorme quando tirei o boné e encontrei uma aranha peçonhenta. Andando com o Tika Yawanawá, passava em cima de um tronco que se rompeu e me derrubou dentro do rio. Tika ria e me dizia: “quando passar por aqui vou me lembrar de você e me alegrar”.
À noite, ouvia sons que vinham da floresta, como os de coruja, outros estridentes. Tinha som de corda de violino, e de água a gotejar ou escorrer. Uma percepção de que há muitas vidas na floresta.
Como diz o grande líder Davi Kopenawa Yanomami: “Se os Yanomami que sustentam o céu desaparecerem, os brancos também vão desaparecer”.
Na aldeia Demini uma centena de pessoas vivem juntas numa grande casa circular construída em torno do pátio. Davi nos explicou: “O mundo é redondo, por isso moramos na aldeia redonda. Chamamos o pátio central raiz da gente e ali enterramos o cordão umbilical para que ninguém esqueça de onde viemos”.
Sempre que chegava, havia muitas crianças que me pegavam pela mão rumo à aldeia. Todas nuas e sorrindo para mim. Não precisava de palavras, a troca de sorrisos já era o cumprimento.
Da rede de dormir, ao lado do Ailton, dentro da enorme casa, via-se todo o movimento diário. Sem barreiras, nos sentíamos parte da família, e não visitantes.
As crianças da aldeia brincam muito em todos os cantos e vão aprendendo e assimilando a sabedoria da floresta e também sobre compartilhar. Ninguém pensa em se apoderar das dádivas da natureza.
Davi fala: “Ouro, petróleo, urânio não são coisas boas. Por isso Omame tinha deixado escondido no fundo da terra, para ninguém tocar. Para nós a terra-floresta nos dá alimentos, fornece vida. Se preservar a floresta, as crianças continuarão vivendo. O dinheiro não produz nada”.
A permanência nas aldeias da Amazônia me ensinou sobre a alegria dos encontros, a maravilha de ser humano, sobre a generosidade e o compartilhamento. Senti que ali as pessoas verdadeiramente gostam de gente.
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Author Instituto Tomie Ohtake
Organization Instituto Tomie Ohtake
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